Os Serviços Ecossistêmicos do Oceano



Os Serviços Ecossistêmicos são benefícios que a natureza fornece direta ou indiretamente, dos quais a vida no planeta, principalmente os homens, aproveita. O valor total dos serviços produzidos pelos ecossistemas marinhos e costeiros anualmente no mundo é avaliado em mais de 150 trilhões de reais por ano, 15 vezes o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil em 2022.

Os Serviços Ecossistêmicos são classificados em quatro categorias: Serviços de Provisão, Serviços de Regulação, Serviços Culturais e Serviços de Suporte. O Oceano fornece todos esses serviços, como:

  • serviços de abastecimento: pesca, materiais de construção;
  • serviços de apoio: manutenção do ciclo de vida da fauna e ciclagem local, de elementos e nutrientes;
  • serviços de regulação: sequestro e armazenamento de carbono, prevenção de erosão, tratamento de águas residuais, moderação de eventos extremos;
  • serviços culturais: turismo, benefícios recreativos, estéticos e espirituais.

Entre as atividades humanas que aproveitam dos serviços culturais do Oceano, merecem destaque o turismo e o surfe.


O Turismo

O turismo vem se mostrando como um fenômeno social e econômico em expansão no mundo desde o período pós II Guerra Mundial e não há uma definição única do turismo. Para a Organização Mundial do Turismo (OMT, 2001), por exemplo, viagens a trabalho podem ser consideradas turismo, enquanto também há o entendimento de que o turismo está mais ligado ao conjunto de fatores que proporcionem experiência de viagem. No entanto, é fato que, nas últimas décadas, o turismo vem se expandindo e diversificando como uma atividade de múltiplas facetas e dimensões. Desde a década de 1950 houve aumento abrupto do turismo e mais ainda da busca por ambientes naturais. 

O turismo, como quase tudo na vida, tem o lado bom e o lado ruim. Mas, entre todas as atividades econômicas, o turismo é a mais fácil de administrar de modo que os aspectos positivos superam em muito os negativos. 

Como resultado do crescimento do turismo, houve diversos impactos em vários setores da sociedade, como acúmulo de riqueza, exploração de trabalho, segregação de espaços e degradação ambiental.

Para compensar esse efeito negativo, é necessário investimento para conservação ambiental e para manutenção da qualidade de vida dos moradores do destino turístico, e, consequentemente, manutenção da própria atividade ecoturística. Em um turismo saudável, é necessário que haja sustentabilidade econômica, social e ambiental, uma vez que a busca daquela localidade pelo próprio turismo está diretamente relacionada à disposição de recursos naturais.

Nesse contexto, surge o Ecoturismo na década de 1970. Esse seguimento se originou de movimentos ambientalistas e da preocupação com o desenvolvimento econômico, a degradação do meio ambiente e questões sociais.

Segundo o Ministério do Turismo do Brasil, o Ecoturismo possui entre seus princípios a conservação ambiental aliada ao envolvimento das comunidades locais, devendo ser desenvolvido sob os princípios da sustentabilidade, com base em referenciais teóricos e práticos, e no suporte legal. Segundo The International Ecotourism Society, o ecoturismo é agora definido como uma viagem responsável a áreas naturais que conserva o meio ambiente, sustenta o bem-estar da população local e envolve interpretação e educação ambiental.

No turismo de natureza é comum utilizar um animal como espécie-bandeira, como golfinho, baleia, tartaruga ou ave. O animal escolhido atua como marca de atratividade e simpatia, e pode ser utilizado para garantir sobrevivência e conservação do ambiente, com benefícios sociais, culturais e econômicos. Esses animais espécies-bandeiras geralmente são os que também têm mais atrativos turísticos. Turismo baseado na natureza pode fornecer oportunidades para a administração local e criar incentivos para apoiar a conservação de espécies marinhas e ambientes onde há pressão da comunidade local.

A interação com a natureza pode promover a conservação ambiental, por meio do interesse pessoal nos aspectos naturais. Os benefícios do turismo de natureza para as pessoas são importantes para a conservação do meio ambiente, particularmente pelo reconhecimento de que a conservação de habitats e da vida selvagem tem uma conexão intrínseca para o futuro bem-estar da população humana, que fazem parte do ecossistema e não se separam dele.

O principal problema ambiental do turismo na Zona Costeira e Marinha está na ocupação do solo, como o avanço de construções sobre as zonas costeiras, o desmatamento da mata ciliar dos rios e riachos e o assoreamento, aterramento e desmatamento de manguezais. Um segundo problema é a falta de formação da população local para empreender e ocupar os postos de serviços nesse segmento, que é a vocação natural da Zona Costeira e Marítima do Brasil, nas diversas atividades relacionadas direta e indiretamente ao turismo, prestação de serviço em meios de hospedagem, restaurantes e condução de visitantes, arte e esporte. Também é necessária a conscientização a formação ambiental em turismo desses prestadores de serviço.

Um terceiro problema significativo é a falta de legislação e incentivo público para que empreendimentos turísticos privados adotem boas práticas quanto à sustentabilidade, por meio de gestão. Outro problema relevante é a falta de estímulos a criação, implementação, divulgação e visitação de Áreas Protegidas, Parques Nacionais e Parques Urbanos.

A mitigação para esse problema depende de um sistema interligado de ações, como: divulgação e explicação da necessidade das normas para os atores do segmento turismo; aumento da fiscalização para o cumprimento da legislação vigente; elaboração constante de novos instrumentos legais de acordo com as necessidades; incentivo financeiro para ocupação regular do solo; oferta constante de cursos de capacitação para os jovens poderem atuar profissionalmente nas diversas atividades do turismo, seja como empreendedor seja funcionário de um empreendimento; aplicação de gestão sustentável em empreendimentos turísticos e incremento quali e quantitativo das Áreas Protegidas.

Três bons exemplos de turismo a serem estimulados e valorizados na costa brasileira são: trilhas, como as em mangues e as em Áreas Protegidas na Zona Costeira; passeio de barcos ou caiaques em mangues ou na costa; mergulho livre ou autônomo. São atividades que levam a pessoa em uma imersão no ecossistema, possibilitando mais entendimento da importância da conservação do Oceano. 



Foto 42. Um “batismo” em Mergulho Autônomo no Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha


Foto 43. Passeio de barco na cidade do Recife (Pernambuco)


Foto 44. Passeio de caiaque na costa de Raja Ampat (Indonésia)

Três exemplos de turismo que trazem várias consequências negativas aos locais onde são praticados ou aos animais envolvidos são: cruzeiros turísticos, alimentação dos animais e animais em cativeiro.

Os cruzeiros turísticos levam muitas pessoas simultaneamente a um local, por um curto espaço de tempo, fazendo com que uma superestrutura seja implementada para receber esse número de visitantes, que, depois, quando o navio vai embora, fica ociosa, produzindo sérios problemas na teia social das comunidades visitadas.



Foto 45. Transatlântico aportado na Dominica

A alimentação artificial de animais selvagens implica uma variedade de consequências negativas, incluindo alteração de padrões comportamentais e populacionais, dependência e habituação, agressividade e problemas de saúde, como doenças e injúrias. Portanto, com exceção da alimentação no auxílio da reabilitação de animais doentes ou machucados e da alimentação suplementar na recuperação de uma espécie ameaçada, é difícil encontrar qualquer justificativa biológica para a alimentação artificial da vida silvestre



Foto 46. Turismo para mergulho com tubarão-branco, usando restos de atuns para atrair os animais em Hermanus (África do Sul)

A manutenção de animais em cativeiro para exposição ou apresentação em shows é uma abordagem errada do turismo de observação de fauna, pois coloca os animais na condição de subjugados e o ser humano na condição de todo poderoso. Essa visão é o problema filosófico por trás de toda degradação ambiental. Os aquários de golfinhos são um mau exemplo de turismo. Mais da metade dos golfinhos capturados morrem antes de apreender a fazer os truques e, mesmo os que apreendem, vivem aproximadamente metade do tempo que viveriam em vida livre. Para a grande maioria dos cetáceos, em função das particularidades comportamentais e fisiológicas desse grupo animal, a manutenção deles fora da natureza é contraindicada, devido ao alto grau de estresse que esses animais desenvolvem em cativeiro, levando-os a entrar em choque, seguido do óbito. A grande maioria de golfinhos utilizados para shows no mundo inteiro são golfinhos-nariz-de-garrafa (Tursiops truncatus), o flipper da televisão



Foto 47. Apresentação de golfinhos-nariz-de-garrafa no Aquário Nacional de Cuba, em Havana

Geralmente, turistas de ecoturismo e de esportes de natureza, como mergulho e surfe, tendem a buscar contato com o ambiente natural preservado, sendo que a sensibilização e preocupação com o ambiente aumentam proporcionalmente de acordo com as experiências obtidas nesses tipos de turismo. A consciência ambiental advém do sentimento de pertencimento e vínculo com o ambiente por meio das experiências vivenciadas no contato com o meio natural.

O turismo esportivo gera volume de recursos financeiros importantes para a comunidade local. Para o mergulhador, a principal motivação de mergulhar é poder entrar em contato com grande variedade de vidas em um ecossistema conservado e com excelentes condições de mergulho, possível de ser encontrado em poucos lugares do mundo.

 

O Surfe
Para os surfistas, o maior atrativo são as características das ondas e as condições ambientais que favorecem um surfe confortável e com pouco risco de acidentes, como ataques de tubarões.

As raízes do surfe estão na era pré-moderna, Havaí e Polinésia, onde o esporte era praticado tanto por homens quanto por mulheres de todas as camadas sociais, desde a realeza até plebeus. Os primeiros exploradores e viajantes europeus elogiaram as habilidades dos surfistas havaianos, mas os missionários do século XIX designados para as ilhas desaprovavam a “constante mistura, sem qualquer restrição, de pessoas de ambos os sexos” e proibiram o passatempo. O surf era praticado apenas esporadicamente no Havaí no final do século XIX.

No início do século XX, porém, concomitantemente ao desenvolvimento do Havaí como destino turístico, o surfe passou por um renascimento e o esporte rapidamente se espalhou pela Califórnia e pela Austrália. A chave para essa difusão foi o escritor americano Jack London e os surfistas havaianos George Freeth e Duke Kahanamoku. Depois de visitar Waikiki, London publicou vários relatos de surfe em revistas americanas populares e Kahanamoku venceu a prova dos 100 metros livre nos Jogos Olímpicos de 1912. 

A evolução das pranchas, principalmente dos materiais de que são feitas, permitiu uma evolução do esporte a níveis não imagináveis no início. Essa evolução levou o surfe a locais onde as ondas têm grande beleza cênica, como Pipeline (Havaí) e na Praia do Norte, em Nazaré (Portugal).

A história da onda de Pipeline começou nos anos 1960, com Phil Edwards, e o surfista havaiano Gerry Lopez divulgou a arte de surfar essa onda para o mundo. Hoje, Gerry Lopez é grande ambientalista, que divulga a importância da espiritualidade para a conservação do Oceano e para a boa prática do surfe.

 



Foto 48. Pipeline, na Costa Norte da Ilha de Oahu (Havaí)

Praia do Norte de Nazaré é o principal palco de ondas gigantes no mundo, onde estão os recordes de tamanho de ondas surfadas. Atualmente, o recorde é do alemão Sebastian Steudtner por ter surfado uma onda de 26,21 metros. Mas esse recorde já foi de vários surfistas brasileiros, como Carlos Burle e Rodrigo Koxa. No feminino, o recorde continua com a surfista brasileira Maya Gabeira, que levei para ver golfinhos em 1997 por ser filha do Grande Fernando Gabeira. Maya se recuperou psicológica e fisicamente de forma espetacular de um grave acidente sofrido em 2013 nas ondas de Nazaré, quando chegou a ter que ser reanimada e teve sérias lesões, e, em 11 de fevereiro de 2020, surfou uma onda monstruosa de 22,4 metros de altura. Todos esses recordes são em ondas que só é possível surfar sendo rebocado por um jet ski.

Os recordes em ondas nas quais o surfista entra remando são de ondas menores, mas, não é por isso que elas também não são enormes. O recorde geral da maior onda surfada na remada foi estabelecido por Aaron Gold em 2016, quando o americano surfou uma onda de 19,2 metros na costa do Havaí. Em 22 de janeiro de 2023 na costa norte da Ilha de Oahu (Havaí), Laura Enever bateu o recorde da surfista brasileira Andrea Moller, surfando na remada uma onda de 13,3 metros de altura.

No Brasil, o surfe iniciou no final da década de 1930, quando um grupo de amigos de Santos construiu a primeira prancha de surfe de que se tem registro no país. Na década de 1950, o surfe chegou ao Rio de Janeiro, em Copacabana e Ipanema. Dessa época, entre tantos pioneiros é impossível não mencionar meus amigos Arduíno Colassanti e Zeca Guaratiba. Arduíno virou ator, instrutor de mergulho autônomo e cinegrafista submarino. Zeca mudou para Natal onde é responsável pelo transporte da equipe de apoio para a Reserva Biológica do Atol das Rocas.

Nos últimos anos o Brasil tem dominado o cenário do surfe competitivo. Seja em ondas gigantes, com nomes como Rodrigo Koxa e Maya Gabeira, como no circuito mundial e nas Olimpíadas. Sim, o surfe virou esporte olímpico. Dos últimos 10 Circuitos do Mundial da Primeira Divisão do Surfe (Liga Mundial de Surfe – WSL), sete foram vencidos por brasileiros, com destaque para Felipe Toledo (2022 e 2023) e Gabriel Medina (2014, 2018 e 2021). Também não podemos deixar de mencionar que a primeira medalha olímpica de ouro do surfe é do potiguar Ítalo Ferreira, que treina nas ondas de Fernando de Noronha.



Foto 49. Uma jovem surfista aplicando conhecimentos adquiridos na Escola do Mar Alma Solar de Fernando de Noronha, uma das centenas de Escolas de Surfe do Brasil.


Foto 50. Um turista surfista praticando nas perfeitas ondas da cacimba do Padre, Fernando de Noronha